Mulher
A perda do meu útero
Meus companheiros dos últimos anos... Agora acabou!
Perdi meu útero. Logo eu, que durante tanto tempo me autointitulei “ativista menstrual” por aí. Uma ativista menstrual meio fajuta, que usava absorvente interno, tomava anticoncepcional e estava ficando apavorada a cada vez que menstruava, mas tudo bem. Ele se foi no dia 21/12/2014, Lua Nova em Capricórnio, solstício de verão.
Na verdade, depois de anos como moderadora da lista “Ciclos Naturais do Feminino”, eu já me sentia hipócrita tendo de tomar anticoncepcionais e ficando preocupada com a minha menstruação o tempo inteiro. Menstruar, para mim, já não era um prazer, mas sim um calvário. Minha menstruação nunca foi “regulada” e eu não gostava disso, mas agora era diferente: além de não saber quando ela viria, eu passava medo o tempo todo. Nos primeiros anos, era apenas um medo “sujar” a roupa. De um tempo para cá, o medo era de começar a sangrar loucamente no meio da rua, no trabalho, na frente de todo mundo, e desmaiar.
A primeira vez foi em 2011. Ia começar em um novo emprego e a hemorragia veio um dia antes. Imaginem o meu desespero: primeiro dia de trabalho com um medo desgraçado de sair “vazando” na frente dos novos colegas.
Em 2014, as hemorragias voltaram. Minha ginecologista dizia que a culpa era da cirurgia bariátrica e chegou a chamar de “maldita” a cirurgia que tirou 40 quilos das minhas costas este ano. Eu e ela sabíamos que eu tinha um mioma, mas a médica dizia que não era ele que me fazia sangrar demasiadamente, e sim a bariátrica. Ela cuidou de mim por 16 anos, fez meu parto, então eu confiava muito nela. Sua justificativa era de que uma perda de peso rápida e intensa mexia com os hormônios e fazia a menstruação ficar “descontrolada”.
Foi então que, neste final de dezembro, indo à consulta com minha nutricionista, comecei a sangrar demasiadamente no meio da rua. Da nutricionista fui para o hospital, ali pertinho, e a ginecologista de plantão me disse que aquilo era “normal”, pois ela passava por aquilo todo mês. Uma médica que não valoriza a queixa do paciente, eu diria. Falei que o sangramento era tamanho que chegava a “expulsar” meu absorvente interno, e ela disse que absorventes internos não “seguravam nada mesmo”. Aliás, cheguei a criar em minha casa um imenso estoque de absorventes, internos e externos, que ocupavam também bolsas, necessaries etc.
Meu marido me levou para outro hospital, onde fiquei à tarde tomando remédios para dor, apesar de não sentir dor alguma. Apenas sangrava muito. No fim da tarde, fui liberada e segui para casa. Ainda no hospital, o sangramento voltou, e dessa vez pior. Mesmo assim fui para casa e, lá, sujei todo o quarto, que ficou lotado de coágulos que saíam à minha revelia.
Meu marido me levou para outro hospital de madrugada. Sangrei tanto que cheguei a desmaiar.
Fiquei internada e descobri que os sangramentos eram devidos a um mioma submucoso de 4 cm. O médico me disse que o mioma submucoso, que fica na parte interna do útero, causa muito sangramento e não responde a tratamentos com hormônios, o que explicava o fato de eu ter tomado anticoncepcionais orais, injeções, usado adesivos etc. e nada melhorar.
A solução, segundo ele e um outro médico, seria cirúrgica. Num primeiro momento, tentariam apenas remover o mioma, mas eu já estava anêmica e fazer uma cirurgia em que perderia muito sangue poderia ser perigoso. Eu não tinha cor nos lábios ou na gengiva e uma transfusão de sangue já estava sendo aventada.
Um terceiro médico me operou. Aliás, todos os médicos que chegavam perto de mim perguntavam minha idade e se eu já tinha filhos, e foi aí que comecei a desconfiar de que poderia perder meu útero.
E foi realmente o que aconteceu. Ele disse que havia artérias muito grandes no meu útero e que, se tentasse apenas remover o mioma, eu perderia mais sangue ainda (segundo o médico, cheguei a perder 60% do meu sangue), o que me traria mais complicações e até risco de morte.
No início, fiquei muito, muito, muito triste por perder meu útero. Logo eu, que exaltava tanto sobre menstruação e os mistérios do sangue… Achei uma ironia do destino e fiquei brava com a situação.
Depois de conversar com muitas amigas, que foram essenciais em todo esse processo, prefiro pensar que não tenho mais útero, mas estou viva. E isso é o que importa. Eu posso continuar gestando. Não posso gestar um bebê, mas sim projetos, sonhos… Ainda tenho meus ovários, o que significa que não entrarei na menopausa antes do tempo.
Por enquanto, não aguento olhar meus livros, meus escritos, minha vasta coleção de materiais sobre menstruação. Mas tenho certeza de que essa dor é passageira. Vou “curtir” meu luto e depois ver o que faço. Pensei em doar esses materiais para alguém que possa continuar esse trabalho de ativismo menstrual, mas acho que ainda é cedo para decidir qualquer coisa. Preciso me recuperar da anemia, pois ainda me sinto bem fraca e cansada.
O que me importa, hoje, é que estou viva. Com ou sem útero.
Quero aproveitar e agradecer ao meu marido, que cuidou de mim no hospital durante mais de uma semana; a minhas amigas e familiares que me visitaram no hospital ou em casa; a minhas amigas que me ligaram, me enviaram mensagens, se preocuparam e mandaram boas vibrações de cura; e às meninas do grupo Tendas Vermelhas e Círculos de Mulheres no Facebook.
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